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Advento: Tempo de misericórdia e salvação
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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“OSTENDE NOBIS, DOMINE, MISERICORDIAM TUAM ET SALUTARE TUUM DA NOBIS” (Cf. Ps 84,8).

“Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia, e dai-nos a vossa salvação!”. (CF. Sl 85,8).

Com esta invocação, iniciamos o tempo oportuno do Advento, no qual nos preparamos para a Chegada do Senhor na carne. O Rei do Universo é esperado como criança, como pobre, como frágil, como Aquele que vem na mais precária condição de ser.

O Advento é o tempo da esperança no sentido mais pleno da palavra. Sabemos perfeitamente o que é uma “sala de espera”; conhecemos a mãe que espera pelo filho antes de nascer e, por isso mesmo, sabemos que quem espera por algo, já o possui de certa forma.

Não se espera sem saber para quê. Esperar é, portanto, possuir embrionariamente o que se espera. Esperar pelo Natal é, pois, possuir o espírito do Natal antes mesmo de vivenciá-lo.

E o Advento nos proporciona esta experiência, esta metânoia interior: viver o espírito do Cristo em sua mais profunda intimidade, na grandiosidade enigmática de sua pequenez, no poder misterioso de sua fragilidade; é existencializar a Encarnação do Cristo em sua essência.

Encarna aquele que assume. Pois viver o Advento é encarnar a proximidade de Deus que se faz Emanuel por amor, unicamente por nosso amor. Não foi por causa do pecado, nos diz Duns Scotus, que Deus se encarnou, mas por Amor, por nosso amor.

Viver a espiritualidade da Encarnação é, portanto, aceitar – só aceitar – esta misericórdia infinita, de Deus por nós, tão grande quanto o próprio Deus, que nos ensina a sermos também, para nossos irmãos, inteiramente misericórdia; é descer, é condescender, é perder-se na pedagogia que nos convoca a assumir, a aceitar, a fazer, a ser a vontade de Deus com as nossas vidas.

O perigo se nos apresenta quando queremos não aceitá-la, não fazê-la, não sê-la; o pecado se instaura quando aceitamos a tentação de manipular a vontade de Deus com o nosso orgulho, seja pela imposição de nosso comportamento egoísta, centralizado em si mesmo, seja pela imposição de nossa vontade de poder que se confunde, muitas vezes, até mesmo com nossa oração.

Iniciamos o Advento do Ano Litúrgico(ano C) no qual leremos o Evangelho de São Lucas, o Evangelho da Misericórdia, da Parábola do Fariseu e do Publicano. Nada mais contrário ao espírito do Advento e do Natal que a atitude farisaica daquele homem que, no templo, de pé, pensava estar diante de Deus orando, mas que só se encontrava diante da DISTÂNCIA que o tornava diferente do publicano, ou seja, diante do seu orgulho. Não se relacionava senão consigo mesmo, não se dirigia senão aos seus poderes, ao seus carismas, á sua gnose que tudo filtrava.

CUR DEUS HOMO? O Advento nos ensina que nossa esperança deve ser contra toda a esperança farisaica, esperança de grandiosidade, de poder, de auto-satisfação, de orgulho, mas esperança de plenitude oculta, de fecundidade invisível que se manifestam por detrás de banalidade, da trivialidade, da repetição de nosso dia a dia; que se tornam presentes nos textos litúrgicos celebrados e vividos com unção e autenticidade, apontando para o Deus-criança que nasce na gruta de Belém, para assumir por amor, inteiramente por amor, a nossa condição.

Celebrar o Advento é assumir integralmente este mistério da misericórdia e da Salvação que Deus nos propõe por amor, é viver plena e “agostinianamente” a esperança, ou seja, a vida da vida enquanto peregrinamos na carne.



 
 
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