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A alegria de estar com Deus
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Estamos às vésperas da festa litúrgica de Santo Agostinho. O pensamento se volta, quando refletimos sobre o tema deste artigo, para aquela vida marcada, mesmo quando errava longe, pela ânsia do Infinito.

Na leitura da Sagrada Escritura, a esmo, por acaso, deparou ele com o texto paulino, da Carta aos Romanos, que diz para não nos afogarmos nos vícios e bebedeiras, mas revestirmo-nos do Senhor Jesus(cf. Rom. 13, 13-14)e sentiu a inspiração divina. Abriu-se à conversão.

Nas suas “Confissões”, em profunda união com Deus, exclama: “Ó Beleza, ó Beleza infinita! Tarde demais vos amei. Estáveis em mim e eu vos procurava fora”. O gozo da presença de Deus inundava o seu coração. Ele que passara anos e anos à procura de Deus nas realidades do mundo sem se satisfazer na ciência ou na vida livre, agora sentia a felicidade do encontro com a Beleza.

A intimidade da vida com Deus não precisa de forma nem de lugar. Está dentro de nosso coração. Na liturgia da missa, repete-se, várias vezes a saudação: “O Senhor esteja convosco”, o que nos relembra a saudação do Anjo à Virgem Maria: “O Senhor está contigo”. Maria, cheia de graça, tinha sempre diante dos olhos a presença de Deus.

Nos caminhos da vida, acreditava nesta presença e, fosse qual fosse o acontecimento, de alegria ou de dor, sentia a força do Espírito Divino a conduzi-la na realização da sua missão. Deixou-se impregnar-se totalmente de Deus e Nele se comprazia sua alma: “Minha alma engrandece o Senhor e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”.(cf. Lc 1, 46-47)

A alma cristã também deve deixar-se impregnar totalmente da presença de Deus. Em linguagem analógica, as Sagradas Escrituras nos falam, no Livro dos Cânticos, na figura do amor humano, da felicidade deste encontro.

A alma enamorada somente pensa no esposo, busca-o pelas ruas e praças, pergunta por ele aos vigias da noite e, quando o encontra com ele sacia a sede de amor.

São João da Cruz deixou-nos “Ditos de Amor e Luz” que são frases espirituais de que jorram a alegria de estar com Deus. E, na sua apresentação, humildemente, confessa que deleitando-se com esta presença, não pode a ela corresponder por causa de suas fraquezas e nô-las transmite, porque poderemos aproveitar em nosso serviço e amor naquilo que ele sente falhar.

Vale rezá-las, ou melhor, deixar que nosso espírito mergulhe na misericórdia infinita de Deus que está sempre presente: “Ó dulcíssimo amor de Deus, mal conhecido! Quem te encontrou a fonte, repousou.”

Sabemos que o peso de nossos pecados tenta nos afastar desta fonte. Como o pássaro que se deixou prender na armadilha, diz-nos o santo, temos de fazer dois trabalhos, o de libertar-nos e o de nos limpar para poder voar. Mas disso também nos livra o amor de Deus que nos manda lançar para traz o fardo dos pecados e caminhar na força da fé e do amor, pois tanto Ele nos amou que entregou seu Filho à morte por nós.

Conta-se de São Jerônimo que feria seu peito com uma pedra pedindo perdão de seus pecados e perguntava: “que queres de mim, Senhor?” E Jesus lhe respondeu: “Jerônimo, eu quero os teus pecados”.

Nem mesmo os nossos pecados devem ser empecilhos para vivermos a alegria da presença de Deus. Pelo contrário, quanto maiores pecadores formos, tanto mais devemos buscar no Coração misericordioso de Jesus, o perdão no amor, a alegria e sermos perdoados no amor, como cantamos nos ritos penitenciais.

Parafraseando orações dos salmos, o inolvidável monge, Dom Marcos Barbosa, escreveu um belo poema que se inicia assim: “Bem debaixo, Senhor, de tua asa, coloca a nossa casa” e prosseguindo nas nossas necessidades materiais de cada dia, conclui pedindo: “tranqüilo seja o sono sob a cruz, que tanto a outro sol conduz.”

Experimentemos ter Deus constantemente conosco. Em cada momento de nossos dias, uma aspiração por seu amor. Uma afirmação de nossa fé e confiança, uma entrega total em suas mãos, como rezamos no salmo: “Lança tuas preocupações no Senhor e Ele te sustentará”. E caminhemos com alegria e coragem até o dia em que, ao ouvirmos o seu chamado, pudermos dizer, como Cristo, “Pai em tuas mãos entrego meu espírito”.



 
 
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