Big brother e o amor |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Uma das redes de TV lançou, há
mais ou menos dois anos, um programa intitulado “BIG BROTHER”,
que ora está no ar.
Orwel, em seu livro “1980”, nomeou com este nome
o Estado todo-poderoso, controlador de todas as atitudes da
pessoa, como já estamos começando a viver, na
identificação uniforme do CPF, que vai amarrando,
reenlaçando todos os nossos atos, fazendo-os transparentes
para as autoridades fiscais, bancos, comércio. Dentro
em breve, o controle total, desumano, desrespeitador dos princípios
hoje consagrados na Constituição Federal, que
tem por fundamento – cláusula pétrea como
dizem os juristas, inamovível e impossível de
ser modificado, o respeito à dignidade da pessoa humana
(Cf.artigo 1º. Inciso III da Constituição
da República)
Mas, voltemos ao assunto a que nos propomos: o referido programa
de televisão e o amor humano. O vilipêndio deste
artigo constitucional transparece já no título
do programa que evoca que todos são transparentes ao
olhar do outro. O grande irmão está presente,
tudo vê, tudo controla.
E depois, desvenda a nossos olhos, cenas de futilidade total,
onde a virtude, a força do caráter, a inteligência
desaparecem para, segundo dizem, triunfar o jogo, a esperteza,
capaz de levar o troféu de um milhão de reais.
O mais nobre dos sentimentos humanos, o amor transforma-se unicamente
em sexo, lançado no lamaçal onde se jogam corpos
inexpressivos. Como nos descreve o Santo Padre Bento XVI, na
memorável Encíclica sobre o Amor, “O “Eros”
degradado a puro sexo torna-se mercadoria, torna-se simplesmente
uma coisa que se pode comprar e vender; ante o homem torna-se
mercadoria” . Pode-se pensar que até a concepção
pagã do amor está ausente, diante da ganância
do dinheiro. Longe estão os protagonistas das cenas até
do que viram os gregos no “Eros” uma felicidade
completa, a subjugação da razão por uma
como que loucura divina.
Vale, para nós cristãos, uma séria reflexão
sobre o amor e a dignidade humana. “O amor entre o homem
e mulher”, ensina-nos o Papa, “não nasce
da inteligência e da vontade mas, de certa forma, impõe-se
ao ser humano”. É um encontro, um acontecimento
com uma pessoa que dá à vida um novo horizonte,
um rumo decisivo.
Reportando-nos à fé bíblica, nela encontramos,
como primeira novidade a imagem de Deus. A segunda ligada a
ela, a imagem do homem. E na natureza do homem sente-se a necessidade
de uma companheira que se faça dos dois uma só
carne. Descrevendo essa concepção não recusa
o Sumo Pontífice relembrar Platão, o filósofo
grego.
Originalmente o ser humano era uma esfera, diz sua doutrina,
que demonstrando sua soberba, recebeu de Zeus a punição
e foi partido. Não é essa, evidente, a idéia
que nos dá a fé. A maravilha está na própria
condição do ser humano que, por si busca, o encontro
de suas almas e de seus corpos, satisfazendo-se na alegria a
si próprio e na partilha o êxtase recíproco
do amor.
O amor não é apenas sentimento. É uma centelha
que, cultivada na amizade, conduz à totalidade do amor,
à realização plena da vida.
Muito menos, o amor não é só sexo degradado.
Destinado a conduzir-nos ao êxtase do amor, de modo algum,
podemos ficar passivos diante da vileza do programa.
Ouçamos o apóstolo, busquemos as coisas que são
do alto. Esforcemo-nos no reconhecimento da nossa dignidade
e não nos deixemos envergonhar com baixesas.
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